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O Simbolismo Alquímico e a União dos Opostos: Reflexões à luz da Psicologia Analítica

“A alquimia que, talvez, foi figurada em remotos começos de um passado, para abrir na via seu caudal de verdades sutis, irrompidas por vistas que cessaram em um dia e hoje começam talvez seu cavalgar, surgindo qual brilhante trilogia que é: fôlego, verdade e domínio. Cinzele de esculpidas impressões foram sempre a razão desses campeões que souberam honrar a grande verdade e, nestas letras que hoje estão escritas, verificam que desta grande alquimia seus passos puderam encontrar e, ao chegar ao fundo desse evento, discernir do efêmero, o real.” Chela Sisti - Elio A. Casali

  INTRODUÇÃO O estudo da alquimia e do simbolismo contido nos seus tratados foram objeto de investigação durante grande parte da vida de Jung. Segundo ele, a alquimia fornece a base histórica para a compreensão da psicologia profunda, pois em suas imagens estão contidos conteúdos do inconsciente comuns ao processo psicológico da humanidade.

Segundo Von Franz (1991), a alquimia nos oferece uma percepção única das profundezas da psique inconsciente, uma percepção que nenhum outro conjunto de símbolos é capaz de prover exatamente da mesma forma. Ao observar e experimentar seus símbolos, os alquimistas trabalhavam sem nenhum programa religioso ou científico consciente, sendo suas conclusões impressões espontâneas do material inconsciente com muito pouca interferência consciente. Esta abordagem espontânea e não programada, segundo a autora, é comum à alquimia e à psicologia analítica.

Em Memórias, Sonhos, Reflexões (Jung, 1975) encontraremos o relato de Jung que, mediante as representações simbólicas da alquimia, teria compreendido que as relações do ego com os conteúdos do inconsciente desencadeiam um desenvolvimento ou uma verdadeira metamorfose na psique. O opus alquímico coincidia, então, com o seu entendimento sobre o desenvolvimento psicológico, o qual Jung deu o nome de processo de individuação.

Uma importante imagem alquímica que inspirou a obra de Jung é a coniuncio, que se refere a união entre os opostos. Sabendo da importante dinâmica que ocorre entre consciente e inconsciente e da necessidade de integrarmos aspectos dos conteúdos que se encontram na sombra, falaremos do significado da coniuncio na perspectiva analítica. Também refletiremos sobre a importância do ego mostrar-se aberto e receptivo aos conteúdos que surgem do inconsciente, pois somente assim é possível a realização do Si-mesmo. Como nos alerta Von Franz (1991), se a consciência não funcionar como deve, o Si-mesmo pode se expressar em uma neurose, entrando em ação sua sombra; em contrapartida, quando a consciência está à serviço da vida e apoia o Si-mesmo, vive-se a vida espiritual.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 A RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA ALQUIMIA No seu livro intitulado Alquimia, Von Franz (1991) diz que a alquimia é uma ciência natural que busca compreender os fenômenos materiais da natureza, sendo uma mescla da física e da química daquela época. Segundo a autora: “corresponde à atitude mental consciente dos que a estudaram e se concentraram no mistério da natureza, e particularmente dos fenômenos materiais”. (VON FRANZ, 1991, P. 17)

Considera-se, principalmente do ponto de vista europeu, que a ciência natural se originou no século VI a. C., época da filosofia pré-socrática, e que se tratava de uma especulação filosófica sobre a natureza, com pouco embasamento experimental. Foi da união dos modelos de pensamento da filosofia grega com as práticas experimentais das tradições egípcias que surge a alquimia. (VON FRANZ, 1991)

Para Edinger (2008), os alquimistas eram inspirados pelo começo do moderno espírito de investigação; no entanto, como investigadores da natureza da matéria, eles projetaram as suas fantasias e imagens oníricas na mesma. Segundo ele, a “alquimia é esse grande sonho coletivo, e o que o faz tão importante para nós é que ele é o sonho dos nossos ancestrais”. (EDINGER, 2008, P. 8)

Os alquimistas acreditavam que estudavam os fenômenos desconhecidos da matéria, limitando-se a observar o que acontecia, sem uma intenção ou tradição definidas. Como não sabiam ao certo o que resultava de seus experimentos, faziam uma conjetura qualquer que, conforme afirma Von Franz (1991), seria uma projeção inconsciente. Assim, “se poderia dizer que na alquimia as projeções se efetuavam da maneira mais ingênua e impremeditada, e sem lhes realizar correção alguma”. (VON FRANZ, 1991, P. 13)

Na alquimia existe uma enorme quantidade de material proveniente do inconsciente, trazido à tona sem a interferência da mente consciente, a qual assume uma atitude investigativa e não diretiva. Como afirma Von Franz (1991), o próprio Jung abordou de maneira similar o inconsciente, sendo indicado que o analista junguiano também adote uma postura de se aproximar ao inconsciente sem limitar-se a um programa predefinido.

Foi através do texto chinês ‘O Segredo da Flor de Ouro’, que Jung teve seu primeiro contato com a alquimia oriental e pôde perceber o paralelo entre o conteúdo do texto e os processos de desenvolvimento psíquico de seus pacientes. Em 1929, Jung publicou novos resultados de suas pesquisas em um livro em parceria com Richard Wilhelm, também intitulado ‘O Segredo da Flor de Ouro’, onde faz uma aproximação dos ensinamentos contidos no texto chinês com a realidade europeia.

Jung (2001, P. 37) tece comentários a respeito do Tao que, segundo o autor, pode ser compreendido “como método ou caminho consciente, que deve unir o separado” e diz trata-se, ainda, da questão de conscientizar os opostos para uma reunificação com as leis inconscientes da vida, sendo a meta dessa unificação a obtenção da vida consciente, isto é, a obtenção do Tao para os chineses. O caminho da superação dos opostos, através da união entre os elementos yin e yang, foi traduzido pelo psiquiatra como a necessidade de integração entre os aspectos conscientes e inconscientes da psique.

Consta em ‘Memórias, Sonhos, Reflexões’ (Jung, 1975) que o contato de Jung com texto chinês possibilitou a formulação de um dos mais importantes conceitos de sua teoria: o arquétipo do Self.

Segundo o autor: Meu livro sobre os tipos psicológicos conclui que todo julgamento de um homem é limitado pelo seu tipo de personalidade e que toda maneira de ver é relativa. Daí nasceu o problema da unidade que poderia compensar tal multiplicidade. Cheguei muito perto da noção do tao. Já me referi à coincidência de meu desenvolvimento interior com o envio que me fez Richard Wilhelm de um texto taoísta. (...) As minhas reflexões e pesquisas atingiram então o ponto central de minha psicologia, isto é, a ideia do Self. Só nesse momento encontrei meu caminho de volta ao mundo. (JUNG, 1975, P. 183)

1.2 A IMPORTÂNCIA DO SIMBOLISMO ALQUÍMICO PARA A PSICOLOGIA ANALÍTICA No livro autobiográfico, Jung (1975) comenta como encontrou na alquimia a contraparte histórica para muitas de suas experiências interiores e ideias, possibilitando-o estabelecer uma ponte desde o gnosticismo até a moderna psicologia do inconsciente: Vi logo que a psicologia analítica concordava singularmente com a alquimia. As experiências dos alquimistas eram minhas experiências, e o mundo deles era num certo sentido o meu. Para mim isso foi naturalmente uma descoberta ideal, uma vez que percebi a conexão histórica da psicologia do inconsciente. (...)

Estudando os velhos textos, percebi que tudo encontrava o seu lugar: o mundo das imagens, o material empírico que colecionara em minha prática, assim como as conclusões que disso havia tirado. (...) As imagens originais e a essência dos arquétipos passaram a ocupar o centro de minhas pesquisas; tornou-se claro para mim que não poderia existir psicologia, e muito menos psicologia do inconsciente, sem base histórica. (JUNG, 1975, P. 181)

De acordo com Voz Franz (1991), a importância do simbolismo alquímico para a psicologia analítica consiste na quantidade de símbolos arquetípicos trazidos pelos alquimistas com um mínimo de personificação, material simbólico este proveniente de imagens armazenadas no inconsciente. Ademais, a psique inconsciente e a matéria não estão separadas aqui, estando a religião, a magia e as ciências naturais ainda unidas. Assim, segundo a autora, somos confrontados com a situação originária, onde não se diferenciaram ainda as faculdades e categorias por mediação das quais observamos a natureza interna e a externa, podendo o homem total olhar a natureza como totalidade e elaborar certas hipóteses de trabalho na busca da verdade.

No simbolismo alquímico, conforme nos explica Jung (1975), podemos ver representações do coletivo arquetípico, próprio do ser humano, pois como os alquimistas achavam que suas manipulações químicas eram apenas expressões de alterações na matéria, não faziam nenhuma crítica ou defesa contra as mesmas. Eles de fato não tinham consciência que eram expressões do seu inconsciente projetadas no mundo físico, excluindo assim a necessidade de manipulação dos conteúdos manifestados.

Através do contato com a simbologia e estudos alquímicos, Jung teceu conceitos centrais da psicologia analítica, tais como Self (Si-mesmo) e processo de individuação. Também foi instigado pelas imagens alquímicas que Jung aprofundou sua investigação sobre o simbolismo da coniunctio, compreendendo que seu significado não se restringia a uma ligação química, mas simbolizava a união dos opostos psíquicos, tema que tomou relevante dimensão na sua teoria e o qual abordarei mais a fundo posteriormente neste trabalho.

1.2.1 O MECANISMO DA PROJEÇÃO Um importante aspecto percebido no estudo do simbolismo alquímico diz respeito a um processo psicológico que está presente nas nossas vidas continuamente: a projeção. Como comentado anteriormente, os alquimistas projetavam na matéria os conteúdos inconscientes de forma muito pura, não personificada.

Como afirma Von Franz (1991), não poderíamos reconhecer nada sem projeção, pois dependemos dela para entrar em contato com conteúdos que até então estão inconscientes para nós. No entanto, da mesma maneira que precisamos projetar nos outros e nas coisas o material que não reconhecemos como nosso, a projeção torna-se o principal obstáculo para que alcancemos a verdade caso não sejamos capazes de reconhecer aquele conteúdo como pessoal e integrá-lo à consciência.

A vasilha do alquimista seria o símbolo de uma atitude que impede que algo escape para fora, é uma atitude de introversão que não permite escapar o material para o mundo exterior. Von Franz (1991, P. 67) pontua a importância de terminarmos com a ilusão de que os problemas estão fora de nós e diz que é esta a maneira que sufocarmos o mistério do inconsciente: “Não sabemos o que é o inconsciente, mas o sufocamos mediante este tratamento concentrado pelo qual se detém toda projeção, intensificando o processo psicológico”.

Ainda segundo a autora, psicologicamente isso significaria uma atitude de reflexão, onde se questione de onde provêm os processos conscientes, ligando-o com o material da fantasia, isto é, o conteúdo inconsciente, criando assim um insight. Esta visão interior, no entanto, traz um entendimento que muitas vezes é amargo, por isso que poucas pessoas buscam essa compreensão de si mesmos. (VON FRANZ, 1991)

Segundo Von Franz, (1991, P. 72), a busca da imortalidade pelos antigos alquimistas, o elixir da longa vida, pode ser compreendida como “a busca de uma essência incorruptível no homem, capaz de sobreviver à morte, de uma parte essencial do ser humano que se pudesse preservar.”. Em termos psicológicos modernos, isso poderia expressar-se como um aspecto do Si mesmo que busca aquilo que há de maior no homem, o que lhe é incorruptível e essencial.

1.3 CONIUNCTIO: O CASAMENTO DOS OPOSTOS A imagem da coniunctio, assim como as demais alegorias que descrevem o processo alquímico, tiveram um papel fundamental na formulação do conceito do processo de individuação. Para Jung, este termo faria referência a tendência da atividade psíquica de mover-se rumo à totalidade, sendo a imagem da coniunctio uma manifestação do arquétipo da união dos opostos.

No livro intitulado ‘O Mistério da Coniunctio’, Edinger (2008) afirma que os opostos constituem a anatomia mais básica da psique, sendo originado desta polarização o fluxo da energia psíquica, da mesma forma que a eletricidade flui entre os polos negativo e positivo de um circuito elétrico. Ele faz ainda a analogia de que os opostos são os dínamos da psique, como o motor que a mantém ativa.

No entanto, o fato de termos experiências e sentirmos atração ou repulsa por coisas não gera, por si só, consciência. Para isso, faz-se necessário, além da tensão dos opostos, que o indivíduo aceite a experiência, sendo proporcional ao grau de aceitação a ampliação da consciência. (EDINGER, 2008)

Para que o ego humano pudesse existir, o autor explica que o jovem ego deveria poder dizer: Eu sou isso e não sou aquilo”. Dizer “não” é uma característica crucial do desenvolvimento inicial do ego. Mas o resultado dessa atitude inicial é que uma sombra é criada. Tudo o que declaro que não sou vai para a sombra e, cedo ou tarde, se o desenvolvimento psíquico acontecer, essa sombra separada deverá ser reencontrada como uma realidade interna; então, deveremos nos confrontar com o problema dos opostos que antes fora colocado de lado. (EDINGER, 2008, P. 15)

O par de opostos mais aterrador, segundo Edinger (2008, P. 15), é o do bem e do mal, e dependerá da maneira como o ego se relaciona com esse assunto sua própria sobrevivência. Ele explica que, para sobrevivermos, “é essencial que o ego sinta que é mais bom do que mau, devendo haver um peso maior no lado do bem que do mal”. A criação da sombra se dá devido a necessidade do jovem ego não se desmoralizar, negando parte da sua natureza que considera inadequada.

A medida que o ego amadurece, há a possibilidade de que o indivíduo assuma a tarefa de ser portador do mal, não sendo mais necessário projetá-lo fora de si mesmo. “Ao reconhecer o próprio mal, a pessoa torna-se capaz de carregar em si os opostos, contribuindo assim para a criação da coniunctio”. (EDINGER, 2008, 15)

Para o autor, a coniunctio representa a criação da consciência, que é uma substância psíquica duradoura criada pela união dos opostos. Ele diz, ainda, que a consciência é tanto causa como consequência da coniunctio, visto que é o produto de ambos os centros da psique: o ego e o Self. Por um lado, os esforços do ego criam a coniunctio, mas por outro o destino decide e o ego vira vítima desta decisão. (EDINGER, 2008)

Embora o inconsciente de à luz o ego, é o esforço do ego que fecunda o inconsciente; assim “o ego se apresentaria como um genitor para o renascimento do Self inconsciente em uma forma regenerada”. (EDINGER, 2008, 24) A capacidade de ser portador dos opostos deveria ser a medida de valor dos indivíduos, pois de acordo com Edinger (2008), somente assim carregarão sua própria carga de escuridão e não poluirão a atmosfera psíquica com a projeção da sua sombra.

No livro ‘Natureza da Psique’, Jung (1971) fala da importância do momento em que ocorre a confrontação entre o ego e o inconsciente e o descreve da seguinte maneira: Um dos requisitos essenciais do processo de confrontação é que se leve a sério o lado oposto. Somente deste modo é que os fatores reguladores poderão ter alguma influência em nossas ações. Tomá-lo a sério não significa tomá-lo ao pé da letra, mas conceder um crédito de confiança ao inconsciente, proporcionando-lhe, assim, a possibilidade de cooperar com a consciência, em vez de perturbá-la automaticamente. (JUNG, 1971, § 184)

Para Jung (1975), a solução que nasce da confrontação e da luta dos opostos constitui uma mistura de dados conscientes e inconscientes que não se pode desentrelaçar, podendo assim ser considerada um símbolo. Uma vez unificados graças ao símbolo, os opostos não tendem mais a dispersar-se e nem a se combater; contrariamente, tendem a completar-se reciprocamente e dar à vida mais sentido, não tendo mais ambivalência diante da imagem de um Deus da natureza e da criação. Os contrastes na imagem de um Deus criador podem ser reconciliados na unidade e totalidade do Si-mesmo. (JUNG, 1975)

1.4 O CONTATO COM O SI-MESMO O Si-mesmo, ou Self em inglês, é o arquétipo central que engloba aspectos conscientes e inconscientes, compondo o âmbito total dos fenômenos psíquicos do homem, podendo ser entendido como a totalidade da personalidade. A busca pela experiência do Si-mesmo, isto é, a realização desta unidade autônoma e indivisível presente em cada um de nós e que expressa a nossa natureza essencial, é exatamente o objetivo do processo de individuação vivenciado na análise junguiana.

Para Von Franz (1991, P. 73), retornar à atitude humana primitiva é o requisito prévio para a experiência do Si-mesmo, visto que este não pode ser vivenciado por mediação da mente consciente ou de uma parte mais evoluída da personalidade. Ela diz que todos deveríamos atentar para os sintomas da participação mística, isto é: “a observação dos acontecimentos sincrônicos, a observação dos signos, o não atuar sem ter observado primeiro os sintomas e sinais internos e externos”.

Assim, deveríamos a todo o tempo nos concentrar no intento de receber algum sinal de Si-mesmo, ou seja, do nosso próprio interior. A autora ainda afirma: Sempre se tem que ter um olho e um ouvido abertos para o oposto, para a outra coisa. Isto não significa debilidade, nem incapacidade de defender-se. Significa atuar de acordo com a própria convicção consciente, mas tendo sempre a humildade de manter a porta aberta a risco de que a um demonstrem seu engano. Essa seria a atitude de uma consciência em um contato vivente com o outro lado, o lado obscuro. (VON FRANZ, 1991, P. 112)

Segundo Von Franz (1991), há algo dentro do ser humano que decide, é uma voz interior que instintivamente nos aconselha, cabendo a nós ouvi-la ou não. Esta pode ser chamada de instinto da verdade e consiste em um discernimento a nível instintivo que nada tem a ver com a compreensão racional. A autora explica que a verdade instintiva é uma manifestação do Si-mesmo, do inconsciente, e não se relaciona com o tipo psicológico (função intuição). É algo que opera em todos os seres humanos, explica ela, como um sussurro ao ouvido e que geralmente somos muito lerdos para ouvir ou nem sequer ouvimos.

O ego, que é o centro ordenador da nossa consciência, deve ser o instrumento de auto realização do Si-mesmo, a não ser que este esteja inflado pelo egoísmo, pois sua legítima função é ser “a luz na escuridão do inconsciente, e em alguns sentidos idêntico ao Si-mesmo”. (VON FRANZ, 1991, PG 120) Ao manter-se aberto ao inconsciente e com uma postura humilde perante ele, o ego oferece uma base de realização para o Si-mesmo, cumprindo assim sua função. Jung (1975) conclui que a maior tarefa do ‘eu’ deveria ser tomar consciência daquilo que advém do inconsciente, em vez de permanecer inconsciente ou de com ele se identificar, pois em ambos os casos estaria sendo infiel à sua vocação que é de criar consciência.

CONCLUSÃO Conforme contextualiza Jung (1975), a compreensão da alquimia como projeções de vivências inconscientes, pessoais e arquetípicas, elucidou o sentido psicológico do simbolismo alquímico com sua exuberante riqueza e complexidade. Como estas imagens simbólicas foram encontradas em diferentes culturas, lugares e períodos históricos, podemos concluir que representam mais do que aspectos pessoais e culturais de cada alquimista, configurando também a expressão de símbolos arquetípicos do inconsciente coletivo.

O aspecto central das concepções alquímicas girava em torno da reconciliação dos opostos e Jung (1975) depreendeu que o opus alquímico e o processo de individuação eram fenômenos análogos. Dessa forma, a alquimia se tornou uma metáfora para a compreensão dos processos dinâmicos psicológicos, mesmo que os alquimistas, salvo raras exceções, não soubessem que estavam elucidando estruturas psíquicas.

Dentro do simbolismo alquímico, a coniunctio é o objetivo do processo, é a entidade “criada pelo procedimento alquímico quando ele finalmente obtém sucesso em unir os opostos”. (EDINGER, 2008, P. 21) A compreensão dos opostos é a chave para a psique e aqueles indivíduos que possuem uma boa percepção interna de suas ações são os que tiveram, em maior ou menor grau, contato com a coniunctio, podendo assim portar opostos dentro de si. Edinger (2008, P. 32) conclui belamente dizendo que “quando um número suficiente de indivíduos portarem a consciência da totalidade, o próprio mundo se tonará um todo”.

Segundo Jung (1975), nossa vida ultrapassa em muito os limites de nossa consciência e, sem nos darmos conta, a interferência do inconsciente acompanha a nossa existência. Para ele, quanto maior o predomínio da nossa razão crítica, mais nossa vida se empobrecerá, porém quanto mais conscientes nos tornarmos daquilo que é mito, maior será a quantidade de vida que integraremos.

Por fim, falando desde uma metáfora alquímica, “a lua, com toda sua feminina humildade e submissão, assinala a absoluta igualdade de seu direito à existência: o sol necessita o recipiente vazio onde possa derramar sua luz, necessita a escuridão onde possa resplandecer a luz, necessita a matéria onde possa fazer-se visível o espírito”. (VON FRANZ, 1991, P. 116)

REFERÊNCIAS EDINGER, Edward F. O Mistério da Coniunctio: Imagem alquímica da individuação. São Paulo: Paulus, 2008. JUNG, Carl G. A Natureza da Psique. Obras completas, vol. VIII/2 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1971. JUNG, Carl G. Memórias, Sonhos, Reflexões. Nova Fronteira, 1975. JUNG, Carl G.; WILHELM, Richard. O Segredo da Flor de Ouro. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. VON FRANZ, Marie L. Alquimia: Introdução ao Simbolismo. 1. ed. Toronto: Vaga-lume, 1991.