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PERSONIFICAÇÕES DA ALMA & PERSONALIDADE MANA: EMANAÇÕES DAS PROFUNDEZAS DO INCONSCIENTE

“A tarefa da individuação está em estabelecer um diálogo com os personagens das fantasias – ou conteúdos do inconsciente coletivo – e integrá-las na consciência, recuperando assim o valor da imaginação mitopoética que havia sido perdida na época moderna, reconciliando deste modo o espírito da época com o espírito das profundezes.” Sonu Shamdasani – O Livro Vermelho

INTRODUÇÃO O presente artigo explanará sobre o fenômeno psíquico denominado personificação, que se trata de uma produção espontânea do inconsciente no qual conteúdos com suficiente magnitude e autonomia manifestam-se através de uma "pessoa" psíquica. A personificação capacita o indivíduo a ver o funcionamento da psique como uma série de sistemas autônomos, sendo uma função psicológica básica e que aproxima da consciência os conteúdos que vivem no inconsciente. O inconsciente aqui é considerado uma fonte de sabedoria superior. (JUNG, 2010)

Jung utilizou-se da técnica da imaginação ativa para acessar camadas mais profundas da psique humana, uma vez que a tensão de energia era baixa nos sonhos, por estes serem expressões inferiores de conteúdos inconscientes. A imaginação ativa consiste em deixar as fantasias acontecerem espontaneamente, sem censura ou críticas, de modo a aproximar os conteúdos inconscientes da mente consciente.

No livro ‘A Natureza da Psique’, Jung (1971, § 132) afirma que “o inconsciente contém todas as combinações da fantasia que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”. Assim, a imaginação ativa mostra-se uma importante ferramenta na exploração dos conteúdos que se encontram na sombra, viabilizando sua emersão e integração à consciência.

Um importante arquétipo do inconsciente coletivo, que se formou na psique humana desde tempos imemoriais e que abordarei neste artigo devido a sua relevância quando tratamos de personificações advindas das profundezas do inconsciente, trata-se da personalidade-mana. Podemos compreender ‘mana’ como um conceito primitivo de energia psíquica, uma fonte primeva de crescimento ou cura mágica; quando personificada, remete-nos a figuras de poder sobrenatural, como por exemplo o herói, o velho sábio ou o mago. Ela aparece sempre que o ego conscientemente confronta-se com o Si-mesmo.

REFERENCIAL TEÓRICO 1. EMANAÇÕES DO INCONSCIENTE Segundo Jung, somos movimentados por forças internas da mesma forma que por estímulos externos e, assim como os últimos não são produzidos por nós, também as causas motivadoras provêm de uma matriz que escapa à consciência e ao seu controle. Na antiguidade mítica estas forças foram chamadas mana, espíritos, demônios e deuses, e não são menos ativas hoje do que foram naquela época e lugar. (JUNG, 1998)

Quando correspondem a nossos desejos, nós as chamamos de ideias ou impulsos felizes, mas se elas se voltarem contra nós, então dizemos que tivemos azar, ou que certas pessoas estão contra nós, pois temos dificuldade de admitir que dependemos de forças que fogem decididamente do nosso controle. (JUNG, 1998)

Em 1914, Jung (2010) introduziu a distinção entre interpretação no nível objetivo, no qual objetos dos sonhos eram tratados como representações de objetos reais, e interpretação no nível subjetivo, no qual cada elemento tem a ver com o próprio sonhador. Assim como interpreta-se fantasias no nível subjetivo, onde a história pessoal do indivíduo tem alta relevância, pode-se interpretar fantasias no nível “coletivo”. Neste último, Jung as descreve como princípios psicológicos gerais.

1.2 INCONSCIENTE COLETIVO No ano de 1916, Jung fez uma preleção na Associação de Psicologia Analítica, intitulada “A estrutura do inconsciente”, onde distinguia duas camadas do inconsciente: o pessoal e o impessoal ou psique coletiva. Enquanto a consciência e o inconsciente pessoal eram adquiridos e desenvolvidos ao longo da vida do indivíduo, o inconsciente coletivo era herdado. Nesse ensaio, Jung analisava os curiosos fenômenos que resultavam da assimilação do inconsciente. (JUNG, 2010)

Adentrando nas diferenças entre as esferas inconscientes, podemos entender que o pessoal se compõe daqueles conteúdos que caíram no esquecimento, seja porque perderam sua intensidade, seja porque foram reprimidos pela consciência devido à sua natureza perturbadora. Já o inconsciente coletivo, como psique atemporal e universal, é comum a todos os homens, constituindo a verdadeira base do psiquismo individual. (JUNG, 1984)

O inconsciente coletivo, para Jung, é a formidável herança espiritual do desenvolvimento da humanidade, a qual está presente na estrutura cerebral de todo ser humano. Já a consciência é responsável pelas adaptações e orientações de cada momento, sendo sua função não só reconhecer o mundo exterior através dos sentidos, mas também de traduzir criativamente o mundo exterior para a realidade visível. (JUNG, 1984)

O inconsciente coletivo seria a região onde se abrigam as formas estruturais da psique: os chamados arquétipos ou dominantes, as estruturas semiautônomas que atuam no inconsciente coletivo, que não existem enquanto representações imagéticas a priori, mas que são formas sem conteúdo e representam vários estágios, necessidades e vivências psicológicas típicas do homem.

Jung afirmava ser necessário desligar os conteúdos mitológicos ou psicológicos coletivos dos objetos da consciência, consolidando-os como realidade psicológica fora da psique individual. Isso permitia a uma pessoa reconciliar-se com resíduos ativados da nossa história ancestral. A diferenciação entre pessoal e não pessoal resultava em uma liberação de energia e, por perceber o impacto positivo desta atividade na ampliação da consciência, Jung se dedicou a distinguir os diferentes personagens que apareciam nas suas fantasias, a fim de consolidá-los como realidades psicológicas. (JUNG, 2010)

A abertura, por parte da consciência, para aproximar-se dos conteúdos presentes em instâncias mais profundas da psique humana, possibilita que seja travado um diálogo entre essas diferentes instâncias psicológicas: o complexo do eu (o ego) e os complexos autônomos (as imagens personificadas). E é sobre a relevância desta dialética que falaremos agora.

2. PERSONIFICAÇÕES DA ALMA A personificação consiste em uma atividade psicológica fundamental pela qual tudo aquilo que o indivíduo experimenta é espontânea e involuntariamente personificado, isto é, se torna uma "pessoa" psíquica. Encontramos personificações em sonhos, fantasias e na projeção. A personificação é sempre uma atividade autônoma do inconsciente, sendo que o aparecimento de figuras personificadas indica que o inconsciente começou a atuar. (JUNG, 1991)

Dentre os adeptos de Jung, James Hillman foi o que escreveu com mais extensão e profundidade sobre o personificar como um processo psicológico natural e essencial. Hillman (2010) observa que a personificação protege a psique contra a dominação de qualquer poder pretensamente único, fornecendo um útil instrumento terapêutico ao estabelecer uma perspectiva pela qual uma pessoa pode admitir que essas figuras lhe pertencem e, ao mesmo tempo, reconhecer que também estão livres da sua identidade e controle.

A personificação é o passo seguinte para uma compreensão mais abrangente da imagem. Personificar é entender as imagens como dotadas de uma realidade autônoma a ser experimentada. Ao defender que as imagens acontecem ao sujeito, o autor está afirmando que elas escapam a qualquer forma de controle absoluto ou tentativa de previsão completa. O personificar acontece a todo momento e está constantemente influenciando e construindo a alma do indivíduo. (HILLMAN, 2010)

O personificar é experienciar imagens espontaneamente. Assim como não criamos nossos sonhos e sim eles acontecem para nós, do mesmo modo não inventamos as pessoas do mito e da religião; elas igualmente acontecem para nós. Assim, podemos entender que as personificações são complexos autônomos que estão constantemente participando do funcionamento da psique, uma espécie de comunidade interior com a qual o ego se relaciona. (HILLMAN, 2010)

Seja como uma patologia psíquica ou como possibilidade de elaboração psicológica, o personificar irá “salvar a diversidade e autonomia da psique da dominação por qualquer poder único” (HILLMAN, 2010, P. 97). Portanto, ao personificar a psique busca restaurar o equilíbrio perdido entre a unilateralidade da consciência e a diversidade do inconsciente.

Segundo Hillman (2010), o processo de se separar das imagens e percebê-las como independentes de si leva o sujeito a compreender-se de maneira mais completa, adquirindo uma capacidade melhor de discriminar o seu ego. Quando a imagem é percebida como diferente do ego ela se torna um guia, que auxilia o sujeito em seu desenvolvimento. No entanto, cabe ressaltar que essa relação com as imagens deve ser sempre simbólica, ou seja, deve ser refletida, amplificada e integrada.

A interação com as figuras espontâneas que surgem do inconsciente possibilita uma ampliação da consciência, sendo exatamente este processo que Jung vivenciou e relatou nos Livros Negros. A noção que esses personagens tinham uma realidade psicológica própria e não eram ficções meramente subjetivas foi a principal lição que ele atribuiu à figura fantástica de Elias. (JUNG, 2010)

2.1 JUNG E OS DIÁLOGOS COM SUA ALMA Segundo Jung, um conteúdo psíquico que tem suficiente intensidade ou magnitude para separar-se da personalidade como um todo pode ser percebido somente quando objetivado ou personificado. Sua defesa em favor da reflexão e da imaginação indicam duas posturas essenciais ao homem: a capacidade de se distanciar de sua própria existência para se avaliar e a possiblidade de imaginar novos percursos. Esta postura permite o sujeito reconhecer a realidade simbólica e encontrar nela uma oportunidade para se desenvolver.

De acordo com Jung, todos os indivíduos possuem a capacidade de dialogar consigo mesmos e a imaginação ativa seria uma das maneiras de se travar este diálogo interior, funcionando como um ‘pensar dramatizado’. Para vivenciar verdadeiramente essa experiência, no entanto, era crucial desidentificar-se dos pensamentos que surgiam, bem como superar a presunção de que a própria pessoa os havia produzido. “O mais essencial não era interpretar ou compreender as fantasias, mas vivenciá-las.” (JUNG, 2010, P. 73)

Jung encorajava seus pacientes a embarcar em processos de autoexperimentação semelhantes, pois, segundo ele, o comportamento psicológico evolui por intermédio de padrões mutáveis em imagens personificadas. Filêmon foi um dos principais personagens da imaginação de Jung, trazendo-lhe o conhecimento decisivo de que existem na alma coisas que não são feitas pelo “eu”, mas que se fazem por si mesmas, possuindo vida própria. Filêmon representava um insight superior, era como um guru, e Jung o descreve assim: “Ele era simplesmente um tipo de inteligência superior e me ensinou a objetividade psicológica e a realidade da alma. Ele havia descrito essa dissociação, ou seja, entre eu e o objeto de meu pensamento... Ele formulou essa coisa, que não era eu, e exprimiu tudo o que eu nunca havia pensado.” (JUNG, 2010, P. 23)

No Liber Novus, Jung afirma que seu encontro com Filêmon correspondeu ao encontro com a personalidade-mana e fala tanto da identificação como a subsequente desidentificação com este importante arquétipo do inconsciente coletivo, o qual remete à características mágicas ou sobre-humanas.

3. PERSONALIDADE-MANA A Psicologia insiste em empregar seu conceito próprio de energia para exprimir a atividade da alma, não utilizando-se de uma fórmula matemática aplicável à Física, mas fazendo apenas uma analogia. Esta analogia é igualmente uma ideia mais antiga a partir da qual se desenvolveu o conceito de energia física, e que remonta a uma noção primitiva do “extraordinariamente poderoso”: o conceito de mana. (JUNG, 1984)

Mana é uma palavra derivada da antropologia e sugere a presença de uma força avassaladora; é uma fonte primeva de crescimento ou cura mágica e que equivale a um conceito primitivo de energia psíquica. Mana pode atrair ou repelir, descarregar destruição ou curar, confrontando o ego com uma força supraordenada.

Não se deve confundir este conceito com o de numinosidade, que é pertinente apenas à presença divina. Segundo Jung: “A visão fundamental do mana volta, em nível animista, de forma personificada. Aí são almas, espíritos, demônios, deuses, que produzem os efeitos extraordinários.” (JUNG, 1983, §129)

A personalidade-mana corresponde a uma dominante do inconsciente coletivo, um arquétipo que se formou na psique humana desde tempos imemoriais, através de experiências que lhe correspondem. Para o primitivo, se alguém é superior a ele, se por acaso for mais hábil ou mais forte, é porque tem mana, ou seja, é possuidor de uma grande energia. “A personalidade-mana se desdobra historicamente na figura do herói e do homem-deus, cuja figura terrena é o sacerdote.” (JUNG, 1978, § 389)

A personalidade-mana atua como veículo de transição ou transcendência para um estágio superior de expansão da consciência, sendo de enorme valor para a etapa da iniciação, a qual é revestida de enorme tensão entre opostos (espírito e matéria, bem e mal, masculino e feminino etc.). Como personagens que ajudam a fazer as transições, as personalidades-mana têm imenso valor, sendo fundamental o processo de projeção nessas circunstâncias. Somente mais tarde o ego será capaz de arrebatar esse poder e reivindicá-lo em favor do indivíduo e de seus próprios objetivos.

Até que a consciência consiga romper a concretização ingênua das imagens primordiais, será difícil que o ego fuja à tentação de admirar-se a si mesmo por ter entrado em contato tais forças poderosas. Tal fato, afirma Jung, não deve ser considerado uma simples estupidez, pois se retrata de uma lei psicológica natural, sendo difícil antever de que maneira o homem poderia escapar ao poder das imagens primordiais. (JUNG, 1978)

O perigo inerente a períodos de transição é que o indivíduo, contudo, se identifique com as figuras mana, e exista uma consequente inflação. Jung desacreditava que o homem pudesse escapar a este poder superior, mas defendia a necessidade de uma mudança de atitude em relação a ele, evitando assim o risco de sucumbir ingenuamente a um arquétipo. Segundo ele: “O homem possuído por um arquétipo se converte numa figura coletiva, numa espécie de máscara atrás da qual sua humanidade não pode desenvolver-se, atrofiando-se cada vez mais. Devemos por isso ter cuidado de não sucumbir à dominante da personalidade-mana.” (JUNG, 1978, § 390)

As personalidades-mana aparecem sempre que o ego conscientemente confronta-se com o Si-mesmo e o efeito de tais imagens, reais ou projetadas, é que elas dão ao indivíduo um sentimento de direção para uma imaginável ou realizável ampliação da consciência.

3.1 ANIMA & MANA A anima, importante arquétipo do inconsciente coletivo, possui características da personalidade-mana, isto é, características mágicas e ocultas, assim como a qualidade de ser autônoma. Quando o “eu” confronta os conteúdos que se encontram neste complexo, não sendo possuído pelo mesmo, mas encarando-o de forma consciente, a anima perde o poder do mana e esta energia passa a habitar o ponto central da personalidade. Este ponto se encontra entre dois opostos, a consciência e o inconsciente, sendo o elemento unificador resultado da tensão energética entre ambos. Assim, a anima atua com um psicopompo, intermediando o diálogo entre as duas instâncias psíquicas.

(JUNG, 1982) Jung afirmava que, quando a anima perdia o seu mana ou poder, o homem que a assimilou devia tê-la adquirido e se tornado uma personalidade-mana, um ser de sabedoria e vontade superiores. No entanto, quando o “eu” integra sua anima e o poder do mana vai para ele, há uma tendência à inflação do ego e uma consequente possessão pelo arquétipo da personalidade-mana. (JUNG, 2010)

Jung nos alerta que, ao confrontar-se com a anima, o “eu” deve adotar uma postura humilde, reconhecendo que o poder do mana não é seu e diferenciando-se das figuras de qualidade sobre-humanas que se constelam. Abandonando a pretensão de vitória sobre a anima, acabava a possessão por estas figuras. Assim, com a participação ativa da consciência ao se confrontar com as fantasias do inconsciente e com uma postura humilde e receptiva do ego, possibilita-se que estas imagens desempenhem uma importante finalidade: o desenvolvimento da personalidade. A assimilação dos conteúdos da personalidade-mana leva, por fim, ao contato com o Si-mesmo.

CONCLUSÃO Segundo Jung (1986), não há dúvidas de que a consciência se originou do inconsciente. No entanto, temos a tendência a identificar a psique com a consciência ou, pelo menos, considerar o inconsciente como um derivado da consciência. No entanto, é essencial que não se ignore a realidade do inconsciente, bem como que as figuras a ele pertencentes sejam compreendidas como fatores atuantes. Uma vez que não se reconhece a legitimidade dos fatores atuantes e espontâneos das figuras do inconsciente, corre-se o risco de sucumbir à crença unilateral no poder da consciência, que conduz finalmente a uma tensão aguda. Jung afirma: As catástrofes têm então que acontecer, porque apesar de toda a consciência foram negligenciados os poderes obscuros da psique. Não somos nós que os personificamos, mas são eles que desde a origem têm uma natureza pessoal. Só quando reconhecermos fundamentalmente este fato, poderemos pensar em despersonalizá-los (...) (JUNG, 1986, § 62)

Os materiais inconscientes são necessários para completar a atitude consciente e corrigir-lhe a parcialidade. A personificação surge como uma forma de a psique se resguardar de um funcionamento exclusivamente centrado no ego, sendo assim, uma pessoa que não pode personificar tende meramente a personalizar tudo. Personificar é, pois, uma função psicológica básica que deve ser experienciada como tal. (HILLMAN, 2010)

Esse reequilíbrio permite o acesso aos aspectos positivos e benéficos do inconsciente. Como afirma Jung (2010), o inconsciente tem a sabedoria e a experiência de incontáveis eras, constituindo um guia incomparável. Ao longo do Liber Novus, o autor descreve sua tentativa de alcançar a sabedoria contida no inconsciente, travando um intenso diálogo com a sua alma e pedindo-lhe que diga o que ela vê e o sentido de suas fantasias.

Este diálogo se dá através da livre expressão das fantasias do inconsciente, as quais têm passagem através da imaginação ativa, em contato com a mente consciente. Conforme afirma Von Franz (2011, P. 178): “A imaginação ativa é o veículo do que Jung chamava de processo de individuação, a autorrealização completa e consciente da totalidade individual”.

Da confrontação dos opostos nasce uma solução, que é o resultado da cooperação entre o consciente e o inconsciente. Para Jung (1986, P. 100) essa solução “é indubitavelmente o esquema mais simples de uma representação da totalidade, oferecendo-se espontaneamente à imaginação para figurar os opostos, sua luta e conciliação em nós”.

A intencionalidade do ego, o centro organizador da consciência, é fundamental para que essa interação ocorra e para que o indivíduo se beneficie da dialética entre estas duas instâncias psíquicas que, apesar de antagônicas, complementam-se. Como sabiamente disse Jung: (...) aquele que tem consciência de que algo depende de sua pessoa, ou pelo menos deveria depender, sente-se responsável por sua própria constituição psíquica, e tanto mais fortemente, quanto mais claramente se dá conta de como deveria ser, para se tornar mais saudável, mais estável e mais eficiente. (JUNG, 1984, § 410) Assim, resume Jung, “a personificação permite-nos reconhecer a realidade relativa dos sistemas parciais autônomos, tornando possível sua assimilação e despotencializando as forças selvagens da vida.” (1986, § 55) A síntese entre os conteúdos conscientes e inconscientes, bem como a tomada de consciência dos efeitos dos arquétipos sobre os conteúdos que estão acessíveis à mente consciente, representam o ponto máximo do esforço espiritual e da concentração de forças psíquicas, quando levada a cabo de maneira consciente. (JUNG, 1984) Jung propõe o tratamento hermenêutico das fantasias criativas como caminho para lidar com as mesmas, sendo este uma síntese da psique individual com a psique coletiva. Assim, ao integrar à consciência parte dos conteúdos que se encontravam nas profundezas da psique coletiva, sem a pretensão egóica de apoderar-se do poder contido nas figuras dotadas de mana, o indivíduo pode então chegar ao “ponto central da personalidade”: o Si-mesmo. O si-mesmo pode ser caracterizado como uma espécie de compensação do conflito entre o interior e o exterior... Assim, pois, representa a meta da vida, sendo a expressão plena dessa combinação do destino a que damos o nome de indivíduo... Sentindo o si-mesmo como algo de irracional e indefinível, em relação ao qual o eu não se opõe nem se submete, mas simplesmente se liga, girando por assim dizer em torno dele como a terra em torno do sol – chegamos à meta da individuação. (JUNG, 1978, § 405) REFERÊNCIAS HILLMAN, J. Re-vendo a Psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. JUNG, Carl G. A Energia Psíquica. Obras completas, vol. VIII/1 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. JUNG, Carl G. A Natureza da Psique. Obras completas, vol. VIII/2 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1984. JUNG, Carl G. A Vida Simbólica. Obras completas, vol. XVIII/1. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. JUNG, Carl G. Aion – Estudo sobre o Simbolismo do Si-mesmo. Obras completas, vol. IX/2. ed. Petrópolis: Vozes, 1982. JUNG, Carl G. Estudos Alquímicos. Obras completas, vol. XIII/1 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. JUNG, Carl G. O Eu e o Inconsciente. Obras completas, vol. VII/2. ed. Petrópolis: Vozes, 1978. JUNG, Carl G. O Livro Vermelho (Liber Novus). Petrópolis: Vozes, 2010. JUNG, Carl G. Psicologia e Alquimia. Obras completas, vol. XII/2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. VON FRANZ, Marie L. Psicoterapia. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2011.