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ANÁLISE DE SONHOS: UM CAMINHO PARA ELUCIDAÇÃO DA SOMBRA E O USO DE CONTOS DE FADAS COMO FERRAMENTA PARA ESTIMULAR A MANIFESTAÇÃO DO INCONSCIENTE

Alessandra Nunes Ribeiro “Buscamos a totalidade e nos encantamos e apaixonamos justamente pelas características que precisamos desenvolver. Olhamos nos olhos de alguém e enxergamos tijolos para nossa construção. Encontramos possibilidades de completude. Mas enquanto tudo isso fica no inconsciente podemos nos perder. O outro não pode servir de degrau. Se seus olhos são reflexivos, tudo pelo que nos encantamos e tudo o que precisamos está em nós mesmos”. Carl G. Jung

RESUMO O presente artigo aborda um tema de grande relevância dentro da Psicologia Analítica: a manifestação de conteúdos inconscientes e a importância de integrá-los à consciência. Para a abordagem Junguiana, o inconsciente é de grande relevância para a esfera consciente e abriga conteúdos de diferentes naturezas, desde materiais recalcados, até potencialidades ainda não reconhecidas pelo indivíduo. A busca pela integração de aspectos inconscientes é de extrema importância, visto que eles fazem parte da totalidade do ser humano; apesar de estar inacessível à consciência, o material inconsciente interfere e complementa o indivíduo. Esta pesquisa, do tipo exploratória descritiva e com abordagem qualitativa, discorre sobre a análise de sonhos e a narrativa de contos de fada, dentro do setting terapêutico, como ferramentas para integrar à consciência os conteúdos até então inconscientes. Ambas técnicas são formas de auxiliar o analisando a elucidar parte deste conteúdo, pois trazem maior objetividade ao material simbólico ali manifestado, iluminando o que então estava fora do alcance da mente. Essas ferramentas são de grande valia dentro da terapia analítica, pois, ao tornar-se mais consciente da sua sombra, o indivíduo estará verdadeiramente vivendo o seu processo de individuação.

Palavras-chave: Psicologia Analítica. Análise de Sonhos. Narrativa de Contos de Fada. Sombra. Individuação. ABSTRACT This academic paper approaches a subject of great relevance within the Analytic Psychology: the revelation of unconscious contents and the importance of integrating them into the conscious. For the Jungian approach, the unconscious is very relevant to the conscious sphere and hosts contents of different natures, from repressed issues to potentialities not yet acknowledged by the individual. The search for the integration of unconscious aspects is of extreme importance, once they are part of the human being wholeness; although the unconscious matter is inaccessible to the consciousness, it interferes and complements the individual. This research, of exploratory-descriptive type and with qualitative approach, looks into the analysis of dreams and the narrative of fairy tales, within the therapeutic setting, as tools to integrate to consciousness the contents until then unconscious. Both techniques are ways of helping the patient to clarify part of this content, since they bring higher objectivity to the manifested symbolic material, enlightening what was until then out of mind reach. These tools are of great value within the analytic therapy, provided that, while making the individual more conscious of his shade, he will truly be living his individuation process. Keywords: Analytic Psychology. Dream Analysis. Fairy Tale Narrative. Shade. Individuation.

INTRODUÇÃO A busca por autoconhecimento torna-se cada vez mais comum na sociedade moderna, sendo visível o grande número de pessoas que procuram por técnicas e vivências que as ajudem a conhecer mais acerca de si mesmas. O número de ferramentas disponíveis para se trilhar esse caminho de autodesenvolvimento também vem aumentando consideravelmente, porém a profundidade que este processo alcançará está diretamente relacionada ao engajamento da pessoa que se submete a esta jornada, bem como pela solidez das teorias e técnicas utilizadas. Dentro do campo da Psicologia, que é a ciência que estuda os processos mentais e comportamentais do ser humano, a linha Analítica dispõe de um vasto material teórico-científico, embasado em anos de estudo e pesquisa da complexidade da psique humana. A teoria Junguiana, como também é conhecida, enfatiza a grande importância de trazermos luz para os conteúdos que estão fora do alcance da consciência, isto é, os conteúdos inconscientes que atuam em nós.

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço que desenvolveu a Psicologia Analítica, estudou profundamente esta camada da psique humana, o inconsciente, e frisou a importância do trabalho psicoterapêutico abordar essa esfera, sendo a análise de sonhos a principal ferramenta para tal aprofundamento. As descobertas de Jung, embasadas em um longo período de pesquisa, demonstraram que os sonhos revelam uma profunda relação entre os nossos estados interiores e o que vivenciamos exteriormente, sendo eles uma ponte para a camada mais profunda da mente humana que o intelecto consciente não tem acesso.

Os contos de fada, por sua vez, penetram nas camadas inconscientes da mente humana e trazem uma mensagem relevante para aquele que entra em contato com seu conteúdo. Por abordar temas arquetípicos, o conto gera um impacto no indivíduo, podendo confirmar, compensar e até mesmo curar uma atitude consciente, desde que o indivíduo se abra àquele ensinamento. Marie-Louise Von Franz, renomada discípula de Jung e grande estudiosa do inconsciente humano, dizia que os contos de fada, com sua linguagem simbólica, possibilitam que a psique se manifeste, fornecendo às energias instintivas uma direção simbólica e um conteúdo cheio de sentido. Para ela, a leitura de contos reaviva conteúdos que estão inconscientes, possibilitando assim sua integração à consciência e apontando um caminho para a resolução de conflitos.

O interesse em escrever sobre a análise de sonhos como ferramenta para elucidação de aspectos da sombra do paciente, o seu inconsciente pessoal, surge pelo reconhecimento da importância desse instrumento dentro da terapia de abordagem analítica. Identificar e trabalhar com a sombra é imprescindível para que ocorra o que Jung chamou de processo de individuação, que visa integrar as facetas que constituem a totalidade da pessoa, o que ela já é potencialmente, mas de uma forma mais profunda e consciente. E o trabalho com os sonhos possibilita o aprimoramento deste processo integrativo, que se dá ao longo da vida e que nunca se esgota, visto que o sonho traz conteúdos, até então inconscientes, para a luz da consciência, aprofundando o conhecimento do indivíduo acerca dele mesmo e das questões que o acometem.

O uso da narrativa de contos de fada como ferramenta para estimular conteúdos inconscientes virem à tona, surge da indagação sobre a eficácia de se recorrer a esta prática durante o processo analítico, a fim de estimular que os pacientes acessem com maior facilidade o conteúdo que está na sombra. Visto que os contos abordam muitos conteúdos arquetípicos, trabalhá-los em análise estimularia o inconsciente dos pacientes e, consequentemente, facilitaria o acesso ao material lá contido. Este é um questionamento que o presente trabalho se propõe a elucidar.

O uso da narrativa de contos de fada como ferramenta para trabalhar conteúdos até então inconscientes, seria utilizado em momentos específicos do processo analítico, onde o terapeuta constatasse a necessidade e abertura do indivíduo para dar vazão a este material. E isso seria identificado pelas manifestações do próprio inconsciente do paciente, que apontaria o momento de se trabalhar com os contos. Além da sensibilidade e experiência do analista, esses momentos de sinalização do inconsciente poderiam ser identificados por recorrentes projeções do paciente, por atos falhos, pela repetição de padrões arquetípicos, ou ainda pela falta de recordação de seus sonhos, evidenciando sua resistência em trazer o conteúdo inconsciente à consciência.

Em suma, o objetivo do presente artigo é verificar como a análise de sonhos e a narrativa de contos de fada, ambos dentro do setting terapêutico, contribuem para a elucidação de conteúdos inconscientes, auxiliando no processo de integração de aspectos da sombra do paciente. Para tal, serão abordados os conceitos de inconsciente e sonho dentro da perspectiva da Psicologia Analítica, se contextualizará como se dá a manifestação da sombra, se explanará brevemente sobre o conceito de arquétipo e, por fim, será exposto reflexões de como a narrativa de contos de fada pode interferir na conscientização de conteúdos inconscientes.

Para realizar este trabalho utilizou-se a pesquisa do tipo exploratória descritiva, com abordagem qualitativa, e as técnicas de coleta de dados foram a pesquisa bibliográfica e a documental. A técnica de análise de dados utilizada foi a análise de conteúdo.

1 REFERENCIAL TEÓRICO 1.1 INCONSCIENTE Para a evolução da civilização, foi de extrema importância que o homem desenvolvesse sua consciência, centrando sua atenção e conduzindo suas atividades com persistência e regularidade. No entanto, essa forma de agir pressupôs um distanciamento do inconsciente, visto que as atitudes dirigidas para determinado fim bloqueiam os elementos psíquicos que parecem ser, ou realmente são, incompatíveis com a direção preestabelecida. Todo julgamento preconcebido se sustenta naquilo que já é conhecido, ou seja, em alguma experiência anterior; assim sendo, ele basicamente nunca se baseia no que é novo e desconhecido, mas que poderia agregar de alguma forma no processo dirigido. (JUNG, 1971)

No seu livro intitulado ‘A Natureza da Psique’, Jung fala sobre os achados no campo da Psicologia Analítica que se referem ao paralelismo entre os conteúdos conscientes e os inconscientes, e afirma que há uma complementariedade entre eles. O autor diz que, enquanto a consciência é um processo momentâneo de adaptação, o inconsciente contém todo o material esquecido do passado do indivíduo, além dos traços funcionais herdados que constituem a estrutura do espírito humano. Neste mesmo livro, Jung ainda afirma que “o inconsciente contém todas as combinações da fantasia que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”. (JUNG, 1971, § 132)

Segundo Jung (1971), se a função consciente não fosse dirigida, as influências opostas do inconsciente poderiam manifestar-se desimpedidamente. Mas visto que a psique é um sistema autorregulador, cabe ao inconsciente desenvolver a contrarreação reguladora. Se não condenássemos os conteúdos inconscientes e, pelo contrário, reconhecêssemos sua importância para a compensação da unilateralidade da consciência, levando em conta sua importância, seria possível viver o que o autor chamou de ‘função transcendente’. Nesta, torna-se possível a mudança de atitude de uma forma orgânica, pois há uma união do conteúdo inconsciente ao consciente, chegando assim a uma nova atitude não unilateral.

Para Jung (1964), o inconsciente é o grande guia, amigo e conselheiro do consciente. Ele o define como uma complexa parte da psique humana, que tem tanta importância quanto a consciência, e explica que inúmeras emoções se tornam inconscientes, desde impulsos, percepções e intuições, à pensamentos racionais ou irracionais, conclusões e deduções. E há diferentes motivos para que a psique, que organiza e faz a triagem desses conteúdos, torne alguns dos nossos pensamentos inconscientes – pode ser porque estes deixaram de ser relevantes ou então por serem ameaçadores em algum nível.

Esquecer o acontecimento de alguns fatos é, além de normal, algo necessário, pois assim abre-se espaço na nossa consciência para que novas ideias e impressões surjam. Da mesma forma que conteúdos conscientes podem se desvanecer no inconsciente, conteúdos que nunca foram conscientes também podem emergir. O inconsciente não é apenas um depositório de memórias passadas, mas também surgem dessa camada da psique pensamentos inteiramente novos e criativos.

Jung (1964) pontua que nossa consciência não consegue focar em muitos conteúdos ao mesmo tempo, trazendo luz a apenas algumas das imagens que entramos em contato ao longo do dia; já o inconsciente sabe de tudo que acontece a nossa volta e estas percepções sensoriais subliminares têm relevância na maneira como agiremos, pois, mesmo sem percebermos, elas influenciam nossos sentimentos e comportamentos. Como comentado anteriormente, há muitos conteúdos que não estão acessíveis à consciência por terem sido recalcados, seja porque foram desagradáveis ou mesmo fortes demais para lidarmos com eles naquele momento. No entanto, da mesma forma que os primeiros, esses conteúdos não deixam de interferir nas nossas vidas.

Por isso é tão relevante nos familiarizarmos com parte do conteúdo que está armazenado nessa esfera da nossa psique que é o inconsciente. Vale lembrar, no entanto, que a decisão de tornar esse conteúdo manifesto vem do próprio inconsciente, sendo ele que define o material que irá emergir à consciência; também é relevante frisar que este conteúdo nunca se esgota, ou seja, o material inconsciente não pode ser integrado na sua totalidade, dada sua vastidão.

Ao longo do processo civilizatório, o homem separou a consciência das camadas instintivas mais profundas da psique humana, bem como das bases somáticas do fenômeno psíquico. Contudo, essas camadas instintivas básicas se mantiveram como parte do inconsciente, sendo expressas simbolicamente através dos sonhos, trazendo assim mensagens indispensáveis da parte instintiva da mente humana à consciência. Como afirma Jung, para que haja um equilíbrio mental e também fisiológico, é necessário que o consciente e o inconsciente estejam “completamente interligados, a fim de que possam se mover em linhas paralelas. Se se separam um do outro ou se ''dissociam", ocorrem distúrbios psicológicos”. (JUNG, 1964, P. 52)

Os momentos de vida onde percebemos que nosso destino não está sob nosso controle, onde ocorrem acontecimentos inesperados e as expectativas que criamos são quebradas, podemos considerar como etapas do processo de individuação, isso é, um caminho para a realização espontânea do homem total. Quanto mais consciente do seu próprio “eu” o homem se tornar, mais ele se diferenciará do homem coletivo. Contudo, como tudo o que vive tende para a totalidade, haverá uma compensação natural dessa atitude unilateral consciente, de modo a integrar o inconsciente à consciência, assimilando assim o “eu” a uma personalidade mais ampla. (JUNG, 1971)

1.1.2 SOMBRA Na Psicologia Junguiana, definimos sombra como a personificação de aspectos inconscientes da personalidade que poderiam ser acrescentados ao ego, mas que, por várias razões, não o são. Estes aspectos são parte do indivíduo, fazem parte da constituição de sua personalidade, mas por adaptação foram retirados da consciência. O ego humano tem a tendência – à medida que vai se desenvolvendo – de se identificar com características ideais de personalidade, com aquilo que é valorizado pela família, pelo meio e pela cultura. Somos condicionados a sermos polidos, generosos, educados e, assim, nos revestimos com uma persona adequada ao convívio com a sociedade e com os valores coletivos.

Com isso, características que não são adequadas à nossa autoimagem, como agressividade, egoísmo e inveja, são relegadas à penumbra do inconsciente. Ego, persona e sombra formam pares de opostos e se desenvolvem a partir da mesma experiência de vida. Contudo, quando investigamos a fundo a sombra, geralmente descobrimos que consiste em parte de elementos pessoais e em parte de elementos coletivos, uma vez que o que fora reprimido pelo coletivo é assimilado pela sombra pessoal.

Von Franz conceitua sombra da seguinte maneira: A palavra sombra é apenas um nome que damos ao fato de que a maioria das pessoas não tem consciência de todos os aspectos da sua personalidade. Gostamos de nos imaginar como pessoas inteligentes, generosas, de bom caráter, com certas habilidades e assim por diante. Mas nossa personalidade completa inclui também qualidades inferiores, das quais não somos conscientes. Elas se revelam em nosso relacionamento com o meio que nos cerca e em brigas. Nossa tendência é empurrá-las para a sombra. Não as encaramos de frente, e quando pensamos sobre nós mesmos esquecemos essas qualidades, pois elas nos envergonham. (VON FRANZ, 1988, P. 45)

A autora ainda diz que nem sempre a sombra de uma pessoa será negativa, pois alguns indivíduos vivem o lado mais negativo da sua personalidade, tendo assim uma sombra positiva. Von Franz (1988) ainda diz que todos nós precisamos da sombra, pois ela nos conserva com os pés no chão, relembrando a nossa incompletude e nos proporcionando traços complementares. Ela conclui dizendo que seríamos muito pobres se nos resumíssemos apenas àquilo que imaginamos ser e que ao vivermos um pouco mais a nossa sombra, nos tornamos mais acessíveis, naturais e, consequentemente, mais humanos.

Para Von Franz (1990, P.123), quando se tem apenas uma consciência parcial da sombra ela é perturbadora e indeterminada, e afirma: “Somente mais tarde, quando a sombra foi de alguma maneira assimilada, o ego pode contribuir para a complementação do seu próprio destino. Então um outro conteúdo do inconsciente, o SELF, tem a função principal de arrumar o destino [...]”.

Vale lembrar que nem todo conteúdo que vem do inconsciente tem caráter positivo e dever ser aceito. Para Von Franz (1990, p. 115), alguns impulsos obscuros, embebidos do mal, devem ser severamente reprimidos, pois o que “[...] é contra a natureza e contra os instintos precisa ser estancado por uma força essencial e erradicado”. A autora ainda diz que a expressão "assimilação da sombra" refere-se a aspectos infantis, primitivos e subdesenvolvidos da natureza do ser humano. O conteúdo inconsciente, também chamado de sombra, quer se manifestar e vir à consciência, sendo sua forma de expressão mais recorrente a produção onírica. Os sonhos trazem o conteúdo inconsciente à tona de forma simbólica, acrescentando à situação psicológica consciente aspectos que são essenciais para um ponto de vista diferente daquele que o indivíduo está vivenciando até então, ou seja, apresentam uma solução para a situação presente que a mente consciente não havia cogitado.

1.2 SONHOS Jung (1964), no livro intitulado ‘O Homem e seus Símbolos’, diz que há dois pontos essenciais sobre os sonhos que devemos ter em mente: o primeiro é que não devemos fazer suposições prévias a respeito dos sonhos, a exceção do fato de que eles contêm certo sentido; o segundo ponto importante é que devemos aceitar que o sonho é a expressão de conteúdos que estão, até então, inconscientes para o indivíduo. O material onírico acrescenta algo de fundamental à consciência daquele que o sonha, material este que estava inacessível à pessoa até então, sendo o sonho a principal via para conscientização destes conteúdos inconsciente.

O sonho é um fenômeno objetivo da natureza e sua função é ajudar a pessoa a sair do estado de estagnação que se encontra. Com a situação psicológica se modificando, há a possibilidade de progressão da libido, que se move para onde a imagem/símbolo aponta. Podemos dizer que a finalidade da imagem é ampliar a consciência e a percepção da situação atual que deve ser modificada, para então se sair da estagnação.

Este estado de estagnação pode ser entendido como um estado neurótico, pois há duas tendências em oposição: uma consciente e outra inconsciente. Neste caso, a pessoa desconhece o motivo do seu sofrimento e ela só saberá quando integrar este conteúdo à consciência. Segundo Von Franz (1990), a neurose pode ser definida com um ego cuja estrutura não é mais capaz de se harmonizar com toda a personalidade. No entanto, se o ego funcionar de acordo com a totalidade da personalidade, essa o reforçará deixando brotar a sabedoria inata das estruturas instintivas básicas.

No seu livro intitulado ‘O Caminho dos Sonhos’, Von Franz (1988) ressalta que, após analisar sonhos como processos psíquicos vitais, se pode dizer que estes parecem orientar o ego consciente para uma atitude adaptada e madura frente à vida. A autora ainda diz que a matriz que engendra os sonhos em nós tem sido denominada guia espiritual interior, ou centro da psique, e que alguns povos mais primitivos simplesmente a definem como Deus. E conclui que deve haver em nós uma inteligência superior que produz os sonhos, cujo objetivo parece ser tornar a vida do indivíduo a melhor possível.

Dentro da teoria Analítica, esta inteligência superior, ou guia espiritual interior, também é conhecido como Self. Ele é considerado o centro regulador mais profundo da psique e visa manter o equilíbrio do sistema psicológico. Ao assumirmos uma atitude unilateral na consciência, seja ela racional, espiritual ou materialista demais, os sonhos tenderão a compensá-la. Segundo Von Franz, essa lei de compensação não é mecânica, pelo contrário, é uma compensação a serviço da totalidade. E complementa dizendo que “essa é a sabedoria essencial dos sonhos: preservar um equilíbrio entre todos os nossos opostos psíquicos e estabelecer uma espécie de via intermediária”. (VON FRANZ, 1988, P. 121)

Para Von Franz (1990, p. 69): “Não se pode deixar de ficar maravilhado cada vez e sempre, diante da genialidade deste fato desconhecido e misterioso que é o inventor dos sonhos na nossa psique”. E pontua que somente quando se interpreta o significado de um sonho que se pode perceber a sutileza, bem como a genialidade, de cada composição onírica. A autora ainda nos alerta para o fato de sermos inábeis e limitados para seguir o espírito desconhecido que inventa os sonhos, e alega: Se se leva em consideração os próprios sonhos por um longo período de tempo, o inconsciente do homem moderno pode reconstruir a vida simbólica. Mas isso pressupõe que não se interprete os sonhos de maneira puramente intelectual e que realmente se os incorpore à própria vida. Então, deverá haver uma restauração da vida simbólica, não mais segundo o quadro de uma forma ritualista coletiva, porém, mais colorida e moldada segundo a própria individualidade. Isso significa não mais viver meramente segundo as decisões "razoáveis" do ego, mas viver com o ego embebido no fluxo da vida da psique que se expressa em forma simbólica e exige uma ação simbólica. (VON FRANZ, 1990, P. 85)

Em suma, Von Franz (1988, p. 11) diz que os sonhos “nos mostram em que aspecto estamos enganados e nos alertam a respeito de perigos; predizem eventos futuros; aludem ao sentido mais profundo da nossa vida e nos propiciam insights reveladores”. E conclui dizendo: Os sonhos não nos protegem das vicissitudes, doenças e eventos dolorosos da existência. Mas eles nos fornecem uma linha mestra de como lidar com esses aspectos, como encontrar um sentido em nossa vida, como cumprir nosso próprio destino, como seguir nossa própria estrela, por assim dizer, a fim de realizar o potencial de vida que há em nós. (VON FRANZ, 1988, P. 12)

O processo de análise consiste em educar as pessoas a ouvir sua voz interior e os sonhos auxiliam o indivíduo a segui-la. Para os terapeutas Junguianos, o trabalho com os sonhos também é de grande relevância por eles serem algo exclusivo daquele individuo, assim não se corre tanto o risco de interferir na vida do outro. O paciente pode, assim, seguir suas intimações interiores, aquilo que sua própria psique lhe diz, sem a interferência dos preconceitos do analista.

1.2.1 FUNÇÃO DOS SONHOS No livro ‘A Natureza da Psique’, ao caracterizar o comportamento do sonho em uma única palavra, Jung usa-se do termo ‘compensação’ alegando que o mesmo lhe parece ser o único em condições de resumir todas as modalidades de comportamento do sonho. Para ele, a compensação abarca, concomitantemente, “uma confrontação e uma comparação entre diferentes dados ou diferentes pontos de vista, da qual resulta um equilíbrio ou uma retificação”. (JUNG, 1971, § 545)

O autor descreve três possibilidades dentro desta perspectiva: Se a atitude consciente a respeito de uma situação dada da vida é fortemente unilateral, o sonho adota um partido oposto. Se a consciência guarda uma posição que se aproxima mais ou menos do centro, o sonho se contenta em exprimir variantes. Se a atitude da consciência é "correta" (adequada), o sonho coincide com esta atitude e lhe sublinha assim as tendências, sem, contudo, perder a autonomia que lhe é própria. (JUNG, 1971, § 546)

Jung frisa que a função compensatória do sonho não define e muito menos esgota a função do sonho. Ele diz que o mesmo esconde uma espécie de processo evolutivo da personalidade, sendo que as compensações aparecem como ajustamentos momentâneos de atitudes unilaterais ou a fim de reestabelecer o equilíbrio de determinada situação. Esta função implica na conscientização de elementos que, no estado de vigília, não alcançaram o limiar na consciência, seja porque foram recalcados ou simplesmente por serem demasiado débeis. Neste caso, a compensação é considerada apropriada, já que tem a função de autorregular o organismo psíquico. (JUNG, 1971)

O sonho também pode ter uma função prospectiva, que consiste em uma antecipação, por parte do inconsciente, de futuras atividades conscientes. Jung a considera uma espécie de exercício preparatório, como se fora o esboço de um plano traçado antecipadamente, que pode representar a solução de um conflito. Para o autor, a função prospectiva do sonho “resulta da fusão de elementos subliminares, sendo, portanto, uma combinação de percepções, pensamentos e sentimentos que, em virtude de seu fraco relevo, escaparam à consciência”. (JUNG, 1971, § 493)

Outra função do sonho que tende a desintegrar, dissolver, depreciar e mesmo destruir, é o sonho redutor. Segundo Jung (1971), isto não necessariamente implica que a assimilação de um conteúdo redutor tenha um impacto negativo sobre o indivíduo que teve o sonho, já que seu efeito é, por vezes, salutar visto afetar apenas a atitude e não a personalidade do sonhador. Sua ocorrência se dá devido a uma necessidade de desconstruir uma posição excessivamente elevada que o indivíduo possa estar assumindo, lembrando-o assim das suas fraquezas e inquietações, bem como da insignificância do ser humano, reconduzindo-o aos seus condicionamentos fisiológicos, históricos e filogenéticos.

Outra espécie de sonho descrito por Jung é o sonho reativo. Nesta categoria, estariam todos os sonhos que aparentam ser “apenas a reprodução de uma experiência consciente carregada de afeto, se a análise de tais sonhos não desvendasse os motivos profundos que provocaram a reprodução onírica fiel dessas experiências” (JUNG, 1971, § 499). Ao analisar o conteúdo dos sonhos reativos, percebe-se que esta experiência também está carregada de simbolismo e este é o único fator que provoca a reprodução onírica da mesma.

Por fim, Jung reflete sobre a complexidade da análise de sonhos e a importância de reconhecermos nossas limitações em relação ao conteúdo ali manifesto: Quem quer que analise os sonhos de terceiros nunca deveria esquecer que não há teorias simples e universalmente conhecidas dos fenómenos psíquicos, nem a respeito de sua natureza, de suas causas, nem de seus fins. Falta-nos, portanto, um critério geral de julgamento. Sabemos que há fenómenos psíquicos de toda espécie, mas nada sabemos ao certo a respeito de sua natureza. Tudo o que sabemos é que, embora a observação da psique, a partir de qualquer ponto de vista isolado, possa fornecer-nos pormenores preciosos, nunca, porém, uma teoria satisfatória que nos permita também fazer deduções. (JUNG, 1971, § 498)

Para Jung (1964), o homem só se realiza através do conhecimento e aceitação do seu inconsciente, o que se dá através dos sonhos e seus símbolos. Para o autor, cada sonho é uma mensagem direta, pessoal e significativa, sendo que essa comunicação se dá através de símbolos comuns a toda a humanidade, mas sempre desde uma perspectiva individual, visto que sua interpretação se dá de maneira inteiramente particular.

1.2.2 ARQUÉTIPOS Segundo conceitua Stein (2006) em seu livro ‘Jung - O Mapa da Alma’, os arquétipos são padrões de comportamento universais, situados em uma área profunda da psique a qual Jung chamou de inconsciente coletivo. Eles são fonte primária de energia e padronização psíquica, bem como a fonte essencial dos símbolos psíquicos. Os arquétipos e os instintos estão diretamente relacionados, assim como o corpo e a mente.

De acordo com Jung (1964), o inconsciente coletivo seria um reservatório dessas imagens latentes, também chamadas de imagens primordiais. O homem herdaria essas imagens do passado ancestral, passado esse que inclui todos os antecedentes humanos, bem como os antecedentes pré-humanos ou animais. Essas imagens, os arquétipos, nada mais seriam que predisposições no lidar e no responder ao mundo tal como os antepassados.

Os símbolos atraem grande parte de energia para si e dão forma aos processos pelos quais a energia psíquica é canalizada e consumida. Eles emergem da parte arquetípica da personalidade, o inconsciente coletivo, sendo os grandes organizadores da libido (STEIN, 2006). Podemos dizer que os sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseja investigar a faculdade de simbolização do homem, já que o material onírico é a expressão dos símbolos que produzimos espontaneamente.

Além da análise de sonhos, outra ferramenta que estimula os conteúdos inconscientes virem à tona é a leitura de contos de fada, visto que nessas histórias está contido um manancial de símbolos arquetípicos, que é a linguagem do inconsciente. Von Franz (1990), uma das maiores expoentes no estudo dos contos de fada, explica: Deveríamos observar os sonhos tão objetivamente quanto possível e somente então, permitir-nos tirar uma conclusão. O sonho fornece uma nova mensagem que nem o analista nem o paciente conhecem de antemão. Este método objetivo pode ser melhor aprendido com a prática de interpretação sobre temas dos contos de fada, nos quais não há contexto pessoal e não se tem conhecimento pessoal da situação consciente correspondente. (VON FRANZ, 1990, P. 18)

1.3 CONTOS DE FADA Os contos de fada estão presentes no imaginário humano há séculos, devido ao importante papel que desempenham. Estas histórias sobreviveram ao longo dos anos, devido ao conteúdo simbólico que carregam, estes provenientes do que chamamos na teoria Junguiana de inconsciente coletivo. Conforme mencionado anteriormente, esta é a parte da psique que armazena e transmite a herança psicológica da humanidade.

Para Jung (1964), os contos de fada, assim como os mitos, são tesouros da humanidade que auxiliam o ser humano a atravessar momentos de crise. Segundo o autor, nos contos encontramos experiências iniciáticas disfarçadas, bem como uma genuína expressão de arquétipos do inconsciente coletivo. Os arquétipos, esse conjunto de imagens primordiais que se encontram armazenadas em nosso imaginário e que formam uma espécie de conhecimento inconsciente e universal, é que dão sentido as histórias.

Von Franz, em sua obra intitulada ‘A Interpretação dos Contos de Fada’, distingue contos e mitos alegando que o primeiro abrange um material cultural consciente muito menos específico e, consequentemente, atinge uma camada mais profunda da psique coletiva, espelhando mais claramente as estruturas básicas da psique humana. Nesta mesma obra a autora sintetiza: Para mim os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada. Aqui novamente chegamos à mesma conclusão: os contos de fada espelham a estrutura mais simples, mas também a mais básica - o esqueleto - da psique. (VON FRANZ, 1990, P. 24)

Para a autora, estudar contos de fada é essencial, pois estes delineiam a base humana universal, estando além das diferenças culturais e raciais, uma vez que sua linguagem é familiar a toda a espécie humana. Ao se identificar com um conto, a pessoa passa a perceber que seu problema não é único e que já foi vivenciado e solucionado de diferentes maneiras ao longo da história, repercutindo de forma estimulante na psique e levando o indivíduo a um novo entendimento de seu conflito.

Em seu famoso livro intitulado ‘Mulheres que Correm com os Lobos’, a psicóloga Junguiana Clarissa Pinkola Estés reflete sobre o impacto psíquico da narrativa de histórias: As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída e, apesar das dificuldades, abrem para nós portas amplas em paredes anteriormente fechadas, aberturas que nos levam à terra dos sonhos, que conduzem ao amor e ao aprendizado, que nos devolvem à nossa verdadeira vida. (ESTÉS, 1999, P. 36)

Os contos de fada e seus personagens revelam um pouco de cada um de nós, inclusive aqueles aspectos que não queremos reconhecer. De certa forma, personagens como bruxas, madrastas e vilões vivem dentro de todos nós, e os contos nos ajudam a reconhecer estes aspectos da nossa sombra. Ainda segundo Von Franz (2005), os contos de fada descrevem um fator psíquico desconhecido chamado Self. Devido ao caráter extremamente complexo e inesgotável do mesmo, faz-se necessário milhares de versões para que este se manifeste na consciência.

Nos contos de fada, o herói espelha a forma ideal de integração com a sombra. Ele tem a capacidade de saber lidar com a sombra de forma ideal e ainda assimilar seu conteúdo sem ser destruído por ela. E geralmente vemos a sombra, ou seja, o lado não desenvolvido da personalidade, na figura do vilão. Podemos dizer que o herói é uma figura arquetípica que representa um modelo de ego funcionando de acordo com o Self. O herói serve de instrumento deste último, realizando tudo que ele gostaria que acontecesse. Conforme descreve Von Franz, o herói “é também o Self, pois expressa ou encarna as tendências salvadoras que ele tem. Então, o herói tem esse estranho duplo caráter”. (VON FRANZ, 1990, P. 56)

No processo de psicoterapia, os contos de fada podem ser utilizados como elemento facilitador, visto que eles fornecem símbolos que auxiliam que os conteúdos inconscientes sejam canalizados para a consciência, para posteriormente serem analisados e integrados à mesma. Como explicou Von Franz: Quando se contam histórias de fada para as crianças, elas se identificam ingênua e imediatamente e captam toda a atmosfera e sentimento que a história contém. Se a história do pobre patinho é contada, todas as crianças que têm complexo de inferioridade esperam que no fim elas também se tornem princesas. Isso funciona exatamente como deveria ser; o conto oferece um modelo para a vida, um modelo vivificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida. (VON FRANZ, 1990, P. 56)

Embora seja importante frisar quão relativas são as interpretações acerca dos contos, e também dos sonhos, e de que estas não encerram a verdade última, Von Franz pontua que pela mesma razão que antigamente os contos de fada e mitos eram contados, hoje os analistas Junguianos buscam interpretá-los; ela diz que existe um efeito vivificante que traz paz ao inconsciente instintivo. A interpretação psicológica seria o modo do analista contar histórias e isto se faz necessário por ainda aspiramos a renovação que advém da compreensão de imagens arquetípicas. (VON FRANZ, 1990)

Vale ressaltar que técnicas projetivas, como são os contos de fada, devem ser aplicadas em pacientes que já estão estruturados egoicamente, ou seja, que se encontram prontos para vivenciar a técnica sem mergulhar por muito tempo na fantasia. Isto, pois imergir em conteúdos inconscientes sem haver uma estrutura psicológica para elaborar os mesmos pode resultar em uma cisão com a realidade (processo psicótico), o que não é benéfico sob hipótese alguma.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS Este artigo confirmou a relevância de se trabalhar com os sonhos no processo de análise, visto o conteúdo onírico ser o principal elucidador do material inconsciente. Os resultados apontam para a importância de se trazer estes conteúdos à consciência, devido a eles revelarem o potencial de vida latente no indivíduo, apresentando soluções criativas para os problemas diários. Os sonhos aludem ao sentido mais profundo da nossa vida, propiciando insights reveladores.

Conforme pontuou Von Franz (1988), é enorme a relevância dos sonhos visto eles possuírem uma inteligência superior, que segundo ela nos orientam com sabedoria e perspicácia na resolução de situações de vida. Os sonhos nos mostram os aspectos que estamos enganados e nos alertam a respeito de perigos, além de, por vezes, predizerem eventos futuros.

Jung diz que o sonho é uma tentativa de cura e que o material onírico busca mostrar as coisas que vão mal em nossa psicologia, no nosso mundo subjetivo, a fim de trazer clareza para aquilo que devíamos saber sobre nós mesmos. Ele afirma, ainda, que enquanto dormem as pessoas despertam através dos sonhos para aquilo que realmente são e conclui: “A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira sutil, o equilíbrio psíquico total”. (JUNG, 1964, P. 49)

Constatou-se, ainda, que o trabalho com os contos de fada também é de grande relevância, pois os contos nos oferecem um modelo para a vida, modelo este que está armazenado no inconsciente e que tem caráter vivificador. Ao entrar em contato com o conteúdo dos contos, podemos melhor compreender o que envolve toda nossa existência, e isso implica em modificarmos não só nossa condição psicológica, mas também nossa disposição diante da vida. (VON FRANZ, 2005)

Von Franz (1990) define o valor dos contos de fada na investigação inconsciente como superior a qualquer outro material e justifica com o fato de que os contos são a expressão mais pura e simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo. Jung (2008) completa colocando-os como uma ferramenta que opera fazendo uma ligação entre o consciente e o inconsciente, já que eles expressam processos inconscientes, mas ao serem narrados criam recordações.

Para Jung (1964), o homem só se torna um ser integrado, tranquilo, fértil e feliz quando o seu processo de individuação está realizado, e isso só ocorre quando consciente e inconsciente aprendem a conviver em paz, completando-se um ao outro. E como bem concluiu Von Franz (1990, p. 123): “O inconsciente insiste em ambos os lados, pois, paradoxalmente, individuação significa tornar-se mais individual e, ao mesmo tempo, mais humano”. CONCLUSÃO Com base no estudo realizado, confirma-se a importância de que todos os conteúdos que acometem o indivíduo sejam integrados à sua consciência para que o mesmo viva de forma autônoma e plena. Do contrário, ele será influenciado por conteúdos que estão na sua sombra, reagindo a eles de forma inconsciente e permanecendo suscetível aos mesmos. O objetivo de análise é justamente integrar à consciência este material que está inacessível à mente racional, e o trabalho com os sonhos, bem como a narrativa de contos de fada, são fundamentais para que este processo se dê de forma efetiva. Conforme a presente pesquisa buscou confirmar, tanto a análise de sonhos como a leitura de contos de fada são ferramentas essenciais para a elucidação de conteúdos inconscientes, pois ambas trazem maior objetividade ao conteúdo simbólico ali manifestado, iluminando um conteúdo que até então estava fora do alcance da mente consciente. Essas ferramentas são de grande valia dentro da terapia analítica, pois ao incitar que o conteúdo inconsciente emerja à consciência, o indivíduo pode tornar-se mais inteiro e mergulhar verdadeiramente no seu processo de individuação. Este estudo também mostrou que as criações oníricas são representações elaboradas exclusivamente pelo inconsciente do sonhador, falando para sua subjetividade e exprimindo os traços mais íntimos da sua alma. Assim sendo, podemos entender as figuras do sonho como traços personificados da personalidade do sonhador, sendo possível que ele se conheça melhor através do seu conteúdo onírico, integrando esses traços até então reprimidos ou desconhecidos. Constatou-se, ainda, que é de grande valia a utilização da narrativa de contos de fada quando o assunto é a manifestação de conteúdos inconsciente, devido a linguagem contida nos contos ser a mesma do inconsciente e ambos buscarem oferecer um modelo vivificador e encorajador para a vida do indivíduo. As histórias retratadas nos contos de fada têm um efeito calmante ao substrato do inconsciente instintivo, sendo estas inspirações para compreensão de imagens arquetípicas, uma vez que resgatam estas imagens. Como definiu Von Franz (1990, p. 90): “Fantasia não é um capricho do ego, algo sem sentido, mas emerge realmente das profundezas; constela situações simbólicas que dá à vida uma significação e uma realização das mais profundas”. O drama vivido pelos personagens de cada conto movimenta a psique do indivíduo que entra em contato com sua história, criando uma ponte entre o consciente e o inconsciente ao abordar temas arquetípicos. Os contos, assim como os sonhos, podem confirmar, criticar, compensar e até mesmo curar uma atitude consciente, desde que o indivíduo se abra àquele ensinamento. A linguagem do conto de fadas, da mesma forma que a dos sonhos, mitos e lendas, é simbólica e por isso a sua escuta e leitura possibilita que a psique se manifeste, ativando processos inconscientes e facilitando a integração desses conteúdos psíquicos à consciência. Fica como sugestão para ampliação deste trabalho a realização de uma pesquisa onde se estude a correlação entre a narrativa de contos de fada, dentro do setting terapêutico, e seu efeito na produção onírica do paciente. O analista sugeriria a leitura de contos de fada visando facilitar a permeabilidade entre o inconsciente e a mente consciente, partindo do pressuposto que é esta vasta e profunda camada da psique humana que sinalizaria o momento e quais conteúdos que viriam à tona. O terapeuta, percebendo os sinais de manifestação do inconsciente, tais como: repetidas projeções, atos falhos, resistências em recordar os sonhos, sugeriria o contato com essas histórias carregadas de conteúdo arquetípico justo nestes momentos. A pesquisa aqui proposta visaria comprovar se a leitura de contos de fada facilita que conteúdos inconscientes sejam mais facilmente integrados pela consciência, bem como buscaria confirmar se a narrativa de contos pode funcionar como um estimulante para que o material onírico seja acessado pela consciência de forma mais efetiva. Este estudo também buscaria responder à questão de se a natureza do material que emergiria, após o estímulo pelas imagens arquetípicas contidas nas histórias, teria maior incidência de conteúdos relacionados ao inconsciente coletivo. REFERÊNCIAS ESTÉS, Clarissa P. Mulheres que Correm com os Lobos: Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. JUNG, Carl G. A Natureza da Psique. Obras completas, vol. VIII/2 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1971. JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1964. JUNG, Carl G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras completas, vol. IX/1 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. STEIN, Murray. Jung - O Mapa da Alma, 5. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. VON FRANZ, Marie L. A Interpretação dos Contos de Fadas. São Paulo: Paulus, 1990. VON FRANZ, Marie L. O Caminho dos Sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.